A Parashat Bereshit (No Princípio) representa, entre outras coisas, um microcosmo da história originária do Homem. A Torá, em sua primeira porção, traz a idéia de ser humano partir de sua maior qualidade: criado à imagem de D'us, com a habilidade de se comunicar com Ele. Também retrata, logo no início, o seu maior defeito: desobedecer às ordens de D'us, até o ponto em que decide cometer delitos terríveis, como assassinato e idolatria. Bereshit coloca em confronto, frente a frente, tanto o potencial humano em se elevar e fazer o que é Bom (Ietser Hatov), até a nossa capacidade destrutiva, baseada em nossa tendência para o Mal (Iétser Hará).
A primeira propaganda e venda enganosa
A esposa de Adão, Eva, foi confrontada pela serpente, que lhe perguntou porque não comia da Árvore do Conhecimento. Eva respondeu que D'us a havia proibido de comer daquela árvore, sob pena de morte. No entanto, Eva completou dizendo que D'us não a havia proibido de tocar no fruto desta árvore - o que não era verdade. A serpente utilizou-se disso para envolver Eva: segundo algumas tradições, a serpente empurrou Eva para perto da árvore e disse que "se não há qualquer punição para tocar a árvore, então não deve haver punição em comer o seu fruto". Mais do que isso: o fruto daquela àrvore, segundo a serpente, prometia um resultado fantástico para quem a comesse: "Você será como D'us, saberá distinguir o Bom do Mau". Eva ficou visivelmente encantada por estas palavras e acabou por comer o fruto daquela árvore. Temos aqui um caso clássico de Propaganda e Venda Enganosa.
A serpente iludiu Eva com respeito à Árvore do Conhecimento. Ela afirmou que a árvore iria lhe garantir o status de "Ser como D'us", sem que tivesse qualquer base para sustentar esta afirmação. A crença de Eva nas palavras da serpente atesta a credulidade do homem quando é confrontado com um item que ele deseja (ou acha que deseja), mas a um preço que não pode pagar. O processo de se enganar o outro, que pode levá-lo a adquirir um certo produto, depende tanto da própria percepção do consumidor - que acha que necessita do produto - quanto do esforço (nem sempre honesto) do vendedor em persuadí-lo de que este produto é de fato necessário.
Colocada em um contexto moderno, a história da "propaganda enganosa" da serpente é surpreendentemente próxima das modernas práticas de negócios. Se uma pessoa souber que a comida que ela está para comprar talvez contenha toxinas que podem prejudicar seriamente a sua saúde, será que ela vai mesmo comprá-la? É como o caso do pescador que continuou a vender peixes que haviam sido desqualificados por inspetores. Pois bem: os inspetores foram embora, mas retornaram depois de algumas horas e viram o pescador vendendo seus peixes e garantindo que estavam em boas condições de consumo. É evidente que este pescador repetiu a estratégia da serpente: ocultou os verdadeiros riscos em se consumir seus peixes para não ter prejuízo; e contou com a credulidade de seus desafortunados clientes, desejosos de comer um peixe fresco.
As técnicas de Marketing moderno multiplicaram o poder de persuasão, a ponto dos consumidores ficarem realmente convencidos de que estão adquirindo produtos extraordinariamente bons e úteis. Muitas vezes estes vendedores sabem que o valor real do seu produto é muito menor do que parece ser, mas ficam muito mais felizes em "torná-los" necessários, para incrementar suas vendas e seus ganhos. Por exemplo: propagandas de bebida normalmente trazem muitos homens e mulheres bebendo alegremente, indicando que o produto é um convite ao sucesso nas relações sociais e nas conquistas amorosas. Vendedores de sabão em pó garantem que nossas roupas ficarão muito mais limpas, após o uso do sabão em pó X-Y-Z. Fabricantes de automóveis convencem as pessoas que seus carros são absolutamente seguros, mesmo quando estão cientes de possíveis falhas - que podem ser fatais - no projeto do automóvel. Tudo isso pode ser comparado ao sedutor convite da serpente de que "Você pode ser como D'us", aliado ao desejo irrefletido do consumidor em possuir. O consumidor, infelizmente, quer se sentir D'us.
As conseqüências desastrosas da falta de ética nas vendas
A punição de D'us foi rápida, imediata e apropriada: Eva foi punida com as dores do parto, além de ter que zelar pela vida de seus filhos: pelo fato de Eva ter sido a responsável pela condição de mortalidade dos homens, passou a ser sua a responsabilidade por trazer novas vidas ao mundo a fim de manter a existência do ser humano. Adão foi obrigado, desde então, a trabalhar pesado para obter aquilo que antes tinha não só de graça, mas literalmente como uma Graça. A serpente, por sua vez, perdeu a capacidade de se comunicar com as pessoas - ela, que abusou da credulidade do homem para enganá-lo, nunca mais usaria a sua língua para enganar outras pessoas; perdeu as pernas e passou a rastejar por aí de forma humilhante. Além disso, os seres humanos passaram a odiá-la para sempre, e sempre tentam matá-la a cada vez que a encontram.
A lição da Torá
A lição para nós é clara: a Torá condena veementemente a conduta de enganar o outro e de explorar a credulidade das pessoas. Como um vendedor, o homem deve ser honesto, caso contrário, mais cedo ou mais tarde terá o mesmo destino que a serpente: ninguém mais lhe dará ouvidos e será odiado. Como consumidores, devemos aprender a conter nossos desejos por tudo aquilo que parece ser bom, e focalizar tão somente aquilo que pode nos ser bom de verdade, útil, que nos ajude a cumprir os mandamentos de D'us. Este tipo de postura irá nos guiar para uma relação mais saudável e ética com os outros, bem como trará mais satisfação e alegria às nossas vidas.
Uri Lam
(inspirado pelo Dvar Torá de Rabi Yoel Domb sobre Ética nos Negócios)
Rabbi Yoel Domb é formado na JCT e membro da faculdade da JCT
Bet Midrash. Recebeu uma bolsa de estudos do Centro de Ética nos Negócios para o ano acadêmico de 2000 - 2001. Atualmente está pesquisando sobre Ética nos Negócios na Lei Judaica e preparando um programa para o ensino destes tópicos nas escolas rabínicas (Yeshivot).
Fonte:
Business Ethics Center of Jerusalem