Festas Judaicas (Chaguim)
Pessach
Leitura da Torá para o Shabat Chol HaMoed de Pessach
O QUE REALMENTE INCOMODAVA OS SADUCEUS?
No Talmud relata-se (Avot de Rabi Natan, cap. 5) que, na época no Segundo Templo, o povo judeu estava dividido em dois grupos. A maior parte do povo pertencia ao grupo dos Prushim (Fariseus), cujos líderes eram os rabinos e os grandes versados na Torá. Estes rabinos eram os sábios da Mishná e do Talmud, cujos ensinamentos e interpretações estudamos e aceitamos até os dias de hoje.
Segundo sua teoria, além da Torá escrita que recebemos no Monte Sinai, nos foi entregue também a Torá Oral. Moshé Rabeinu recebeu de Hashem explicações claras como cada mitsvá deveria ser cumprida, bem como o significado correto e preciso de cada um dos preceitos bíblicos. Tais interpretações foram transmitidas dos mestres para seus alunos ao longo das gerações, sendo zelosamente preservadas.
Os judeus ricos e gananciosos pertenciam ao grupo dos Tsdukim (Saduceus). Eles tentaram modificar a Torá e estudá-la isoladamente, sem as interpretações que nos foram transmitidas por Moshé Rabeinu. Na sua opinião, cada um podia estudar a Torá de acordo com sua própria compreensão, e cumprir seus preceitos de acordo com sua interpretação particular. Todo judeu tinha liberdade de decidir qual era, a seu ver, a explicação correta.
Uma das maiores discussões entre os dois grupos dizia respeito aos preceitos da "Contagem do Omer". A Torá nos ordena a contar 49 dias, da festa de Pessach até Shavuot: "E contareis para vós desde o dia seguinte ao primeiro dia festivo" (Levítico 23:15). Na Torá em hebraico, a expressão "dia festivo" é "shabat". A palavra "shabat" possui duas conotações. Podemos compreender que a contagem deveria começar após o shabat de Chol Hamoed Pessach, como opinavam os saduceus. Entretanto, encontramos na Torá que os dias da festa são também denominados "shabat" por causa da mitsvá de interrupção do trabalho e do decorrente descanso que neles deve ser observada (ver, por ex., Levítico 23:24). Os sábios fariseus interpretaram, como faz a Halachá até hoje, que a contagem deveria ter início no dia seguinte ao primeiro dia festivo de Pessach. A controvérsia entre as duas abordagens era grande demais, e acabou dividindo o povo judeu.
Na Guemará (Menahot 65 e nos escritos de Nosso Mestre Rabi Shmuel Eidels) conta-se que, certo dia, houve uma grande discussão pública entre Raban Yohanan ben Zacai e os sábios saduceus. Estes argumentavam que a interpretação mais simples da Torá deveria ser feita de acordo com sua compreensão. Raban Yohanan respondeu-lhes que, indubitavelmente, a interpretação segundo a Lei Oral era a correta, uma vez que assim havia interpretado o próprio Hakadosh Baruch Hu, que ordenara a mitsvá a Moshé Rabeinu. A explicação fora transmitida, numa tradição clara, dos mestres para os seus alunos, até os rabinos daquela geração.
Raban Yohanan perguntou aos saduceus qual o critério que haviam utilizado, para decidir que a intenção da Torá era o dia de shabat em si. Se eles, os saduceus, afirmavam que cada um podia interpretar a Torá como quisesse, certamente seria possível entender também que a referência significava o dia seguinte ao primeiro dia da festa. Na realidade, se não há uma única interpretação explícita para a Torá, não é possível cumprir adequadamente nenhuma das mitsvot. Sempre poderemos acrescentar explicações adicionais, e jamais saberemos o que realmente Hakadosh Baruch Hu desejou que fizéssemos.
Os sábios saduceus ficaram constrangidos, não conseguindo encontrar uma resposta apropriada para a indagação de Raban Yohanan. Somente um velho sábio aventurou-se a dizer: "A festa de Shavuot é celebrada durante um dia, e é difícil conseguir descansar bastante num só dia. Moshé Rabeinu, que amava o Povo de Israel, queria que a festa de Shavuot sempre caísse um dia após o shabat, para que seu povo pudesse descansar dois dias seguidos". Todos aqueles que presenciavam o debate explodiram em gargalhadas, pois tal explicação era um ótimo exemplo para os argumentos de Rabi Yohanan. Se cada indivíduo pode oferecer uma explicação particular, acaba alterando a própria mitsvá. É evidente que deve haver uma interpretação explícita única, que Moshé recebeu de Hashem e nos transmitiu. Após ouvir a discussão de Rabi Yohanan, milhares de judeus abandonaram o grupo dos saduceus, retornando ao modo do Judaísmo fiel. Os poucos obstinados que ali permaneceram, com o passar do tempo abandonaram totalmente o Judaísmo, assimilando-se às outras nações.
Ao analisarmos minuciosamente a controvérsia entre os dois grupos, poderemos entender melhor o que realmente incomodava os saduceus. Por que para eles era tão fundamental que a Contagem do Omer não começasse imediatamente no dia seguinte ao primeiro dia festivo.
O "Sefer Hachinuch" (mitsvá 306) explica porque era tão importante estabelecer uma relação entre a Contagem do Omer e a saída do Egito. Todos os povos do mundo desejam a liberdade, e tentarão fugir da nação que os oprime na escravidão. Poderia-se pensar que também a saída do Egito significa apenas a liberdade nacional do povo. A alegria da festa de Pessach seria similar à do Dia da Independência, festejado por todas as nações do mundo. Porém, o Povo de Israel sabia que o seu nacionalismo depende somente da aceitação da Torá e de suas mitsvot. A Torá constitui o motivo principal pelo qual ele foi redimido e libertado do jugo egípcio. A liberdade nacional não teria nenhum valor sem a aceitação das obrigações da Torá. Por isso, imediatamente após a libertação, os judeus começaram a fazer a contagem, aguardando ansiosamente o dia em que receberiam a Torá. "Não há nada mais importante para Israel que a Torá... nem mesmo a libertação da escravidão". Da mesma maneira que um prisioneiro conta os dias que faltam para que seja libertado, Israel aguardava o dia em que receberia a Torá.
Autor: Rav Moshé Bergman
Fonte: Bnei Akiva São Paulo