Festas Judaicas (Chaguim)
Iom HaAtzmaut
Uma data Cívica ou Religiosa?
Na primeira semana do mês de Yiar, dei uma aula na Sinagoga do BNEI AKIVA de Higienópolis sobre a importância de comemorarmos o Iom Haatzmaut como as demais Festas do calendário judaico, e as reações foram surpreendentes.
Isto se deve a que, a maioria das pessoas, consideram Pessach ou Chanucá datas religiosas por excelência, enquanto Iom Haatzmaut, o dia da proclamação da independência do Estado de Israel, é considerado uma data meramente cívica.
Tentarei nestas linhas expor e explicar os fundamentos desta colocação, conforme estabelecido pelo Rabinato Chefe de Israel no ano da fundação do Estado.
Uma das bases centrais e fundamentais do Judaísmo é o dever de louvar a D'us por um milagre ou graça obtido. Toda pessoa que atravessa em paz o mar ou o deserto deve louvar e agradecer a D'us perante a congregação, conforme ensina o Salmista (107: 21-22): "Louvai ao Eterno por sua bondade e pelas maravilhas que realiza em favor dos seres humanos. Tragam oferendas em ação de graças e com júbilo exaltem Suas obras"
E realmente assim o fazemos ao proclamar a benção Hagomel na hora da leitura da Torá, na Sinagoga.
Da mesma forma, uma pessoa que sobrevive a um grave acidente de carro, por exemplo, deve preferir uma benção especial ("Bendito sejas Tu, Eterno nosso D'us, Rei do Universo, que realizaste um milagre para mim neste local") toda vez que passar naquele local.
E não só ele: seu filho e neto também (vide Shulchan Aruch – Código de Leis Judaicas - capítulo 218 parágrafo 4).
Quem se recorda da situação vivida em Israel em 1948, certamente reconhece o grande milagre ocorrido naqueles dias. Eram quase meio milhão de judeus contra mais de 40 milhões de árabes hostis, armados e treinados, que o cercavam. Objetivamente falando, as chances de sobrevivência do recém-criado Estado eram nulas. O resultado previsto era o mesmo da finada comunidade judaica de Hebron, massacrada impiedosamente pelos árabes em 1939.
A salvação dos habitantes de Israel naquela época foi de uma morte certa para a vida, e inclua-se aí todos os judeus, pois Israel transformou-se num porto seguro para toda a Diáspora, freqüentemente abalada por ondas de anti-semitismo.
Além do aspecto físico, a fundação do Estado de Israel constituiu a redenção espiritual do povo judeu. Com a destruição do centros judaicos da Europa durante o Holocausto e o vácuo espiritual resultante desta catástrofe, caracterizado pelo alarmante nível de assimilação que grassa em todas as comunidades judaicas da Diáspora até os nossos dias, a fundação do Estado de Israel e sua conseqüente transformação em centro espiritual do povo judeu, reverteu esta situação. Jamais o povo judeu teve tantas Yeshivót em funcionamento, sábios em Torá, Rabinos com poder de decisão em questões haláchicas e estudantes de Torá como hoje em dia, em Israel. Além disso, centenas de Centros de Estudos, universidades que lecionam Talmud e filosofia judaica e cursos de identidade judaica dedicados à preservação e difusão do judaísmo em Israel e na Diáspora, através do envio de emissários especialmente treinados para este fim. E difícil encontrar um rabino em qualquer parte do mundo que não tenha feito parte de seus estudos em Israel. Em suma, é difícil sequer imaginar a situação espiritual do povo judeu hoje se não fosse a fundação do Estado de Israel.
Torna-se óbvio que a fundação de Israel – um fato que, há 100 anos, era considerado um mero devaneio de Theodor Herzl - constitui uma indiscutível salvação milagrosa do povo judeu. E como dissemos no início, é nosso dever, religiosamente falando, louvar a D'us por cada grande fato que nos acontece.
Mencionamos acima como deve-se proceder quando acontece um fato milagroso a alguém em particular.Mas quando o fato acontece a um grupo de pessoas, a literatura judaica está recheada de exemplos claros de como deve-se proceder a fim de transformar esta data em uma festa de louvor a D'us.
A finalidade da fixação das festas de Chanucá e Purim era, como rezamos na prece “Al Hanissim”, “a fim de que posamos dar agradecimentos a Teu Nome por Teus milagres, obras maravilhosas e salvação.” O Talmud (meguilá 14a) explica que os sábios da época de Ester e Mordechai deduziram a obrigação de instituir a festa de Purim da própria Tora; Se no êxodo do Egito, ao saírem da escravidão para a liberdade, declaram um cântico na travessia do mar, ao escaparem da morte certa para a vida, não é lógico que tenham de celebrar? O Talmud acrescenta ainda que a prece de "Halel" não foi instituída então devido ao milagre de Purim ter acontecido fora da Terra de Israel.
Desta passagem do Talmud inferimos a obrigação do povo judeu de fixar uma data festiva, com a recitação da prece de louvor (Halel) por eventos miraculosos que ocorram na Terra de Israel. Saliente-se que em Purim rendemos graças pela salvação física, em Chanucá pela espiritual, enquanto em Iom HaAtzmaut por ambas!
Na verdade, se analisamos com seriedade a vasta literatura judaica, encontraremos 80 festas de "Purim" diferentes, instituídas por diversas comunidades ao longo dos séculos, para celebrar uma salvação específica (vide Shut Maharam Alshacar 49, Shut Chatam Sofer 191 e Maguen Avraham sobre o Shulchan Aruch 686).
A conclusão de todos o exposto acima é que celebrar o Iom HaAtzmaut, assim como o Iom Ierushalaim, pelos milagres ocorridos na Guerra dos Seis Dias, em 1967, é uma obrigação rigorosamente religiosa, semelhante a de celebrar Purim e Chanucá. O verdadeiro sentido do Iom HaAtzmaut não é outro senão porque "Imenso é nosso regozijo pelas maravilhas que fez por nós o Eterno."
Antes de concluir, cabe salientar que o próprio Talmud (Meguilá 7a) registra que, quando a rainha Ester decidiu instituir a celebração de Purim, boa parte dos sábios de sua época negaram-se a fazê-lo, no início, pois não queriam inovar uma festa que não constava na Torá. Só concordaram depois de acalorados debates. O livro de Ester (9:29) relata o mesmo com relação ao povo, até que se difundiu e enraizou-se o costume. Com relação a Chanucá, encontramos inúmeras controvérsias nas primeiras geração após o milagre sobre como acender as velas, quantas velas, etc.
Com o povo judeu é assim mesmo: é difícil estabelecer novos decretos e decisões, mesmo legítimas.
Mesmo que leve algum tempo, no final o Iom HaAtzmaut acabará se enraizando e se tornará uma festa de louvor comemorada tanto pelo público religioso como pelo laico.
"Louvai ao Eterno, porque Ele é bom; eterna é Sua misericórdia" (Salmos 107: 1).
Autor: Rav Moshe Bergman
Fonte: Bnei Akiva SP